Agosto é o mês mais seco em Brasília; grama cor de palha, árvores desfolhadas e ar seco, nos passam a sensação de um ambiente até hostil à vida. Não bastasse esse entorno, às atuais vicissitudes da pandemia, se somam nossas próprias mazelas e as tão frequentes manifestações da estupidez humana, tão frequentes e próximas, aqui em Brasília. Tudo isso pode facilmente criar um quadro depressivo.
Exigências da mente e do corpo (e alguma insistência familiar) me fizeram voltar a meus passeios matinais, rompendo uma inércia que encontrava falsas justificativas na pandemia. Efetivamente, no ambiente de baixa densidade populacional das vizinhanças, a Covid era apenas uma desculpa.
Eu já tinha alguma ideia da dinâmica da natureza do cerrado na época da seca, mas ao retomar minhas andanças, justo no mês de agosto, passei a ver e documentar, com meu celular, os exemplos de resiliência que vinham das plantas. A natureza opera com a confiança de que, passada a seca, dias mais amenos virão e isso me confortou a alma.
As plantas em um clima seco encontram, de alguma forma, a água e a energia necessárias para o renascimento, antes que as chuvas cheguem. A paineira barriguda é um exemplo típico guardando em sua no alargamento do tronco sua própria reserva de água. Outras parecem buscar, no fundo do solo, a água e a energia necessárias para lançar flores, frutos e sementes. Na seca, preparam-se para dias mais favoráveis que sabem que virão. Perder as folhas na seca faz parte desta estratégia.
Sobre a paineira barriguda, colocamos no final da página o vínculo para um vídeo interessante, disponível no youtube, o vídeo compõe uma filmagem da “barriguda” sob ângulos variados com o texto da Wikipédia. O vídeo chama a atenção para o verde da clorofila em seu tronco que ajuda a manter em funcionamento a fantástica atividade da usina química que elabora os diferentes materiais que compõem flores, frutos, paina e sementes elaborados antes que cheguem as chuvas. Isto para não falar no ainda pouco compreendido processo biológico que sintetiza em uma semente tudo que a planta fará para enfrentar as oscilações anuais do clima.
O que estou fazendo aqui é estimular perguntas que motivem o aprendizado. Lembro-me de uma certa aversão ao estudo da biologia na escola que se concentrava na memorização da classificação das plantas e pouco chamava a atenção para os mecanismos físico, químicos e biológicos envolvidos.
Físico de profissão, fui treinado para observar, formular uma questão e tentar encontrar uma resposta. Em relação às plantas, sou apenas um curioso que procura reciclar abordagens da Física para as questões tão complexas que as ciências da vida nos propõem.
Eu tive a sorte de contar, no meu tempo de infância, com professores cujo protótipo era a jovem professora Avany Caggiano que nunca rechaçou perguntas que surgiam da observação do cotidiano. Ela aceitava minhas perguntas, tentava resolvê-las e me estimulava a encontrar as respostas por minha conta nos livros.
A internet hoje facilita muito este tipo de ensino interativo. Não sei até onde este recurso tem sido usado com inteligência.
Vou destacar nessa abordagem duas árvores cujas flores se destacam nessa época.
O Pequizeiro, árvore símbolo do cerrado
O pequizeiro é, talvez, a árvore típica do cerrado, seus galhos são retorcidos e sua folhagem resiste à seca e seu tronco muitas vezes resiste ao fogo que é quase um acontecimento programado no cerrado. Seu nome científico é Caryocar brasiliense
A sequência de fotos acima mostra vários aspectos do pequizeiro que destacam o Pequi como árvore símbolo do cerrado
O portal Cerratinga ( http://www.cerratinga.org.br/pequi/ ) diz que o significado em tupi seria “pele espinhenta” e isso pode ser conferido no dicionário tupi-guarani na internet. Ele chama a atenção para que “suas folhas são grandes, cada uma composta por três grandes folíolos, cobertos por uma penugem e com as pontas entrecortadas”.
No portal existem outras informações interessantes sobre o uso do pequi como alimento. “De todos os frutos nativos do Cerrado, o pequi é o mais consumido e comercializado, e também o melhor estudado nos aspectos nutricional, ecológico e econômico”. O portal também apresenta a receita do famoso “arroz de pequi”, especialidade da cozinha goiana muito apreciada. Comer suas castanhas requer uma certa arte já que, como advertem os índios, ela é cheia de espinhos.
Mostramos abaixo os três folíolos que caracterizam a folhagem do pequizeiro, cujo fruto também apresenta, frequentemente, três caroços que é uma forma não muito usual na natureza. Este pequi de três caroços é característico de um tipo de árvore específico cujos frutos são todos assim. Foto de Turismo Tocantins.
Folhas do pequi,
O Ipê
O ipê amarelo tem sua floração no auge da seca, em agosto. Imediatamente se destaca na mata e em diversos lugares das cidades. Como as árvores estão sem folhas nessa época, seu amarelo se compõe com outras árvores que também se adiantam às chuvas lembrando as cores nacionais do Brasil, nas vésperas do aniversário de sua independência. Isto faz com que muitos a considerem a árvore símbolo do Brasil.
Os ipês que encontrei em Brasília não são espetaculares como os que podem ser encontrados em outras partes do País. Por serem as primeiras árvores a lançar flores, eles trazem cores vivas a paisagem castigada pela seca. Suas flores fazem também uma bela combinação com o azul sem nuvens que caracteriza a época Brasília. Um dos aplicativos que usamos para a classificação da árvore através de sua flor, fornece sua classificação científica, mostrada abaixo.
O aplicativo também esclarece que “o ipê-amarelo é uma árvore muito utilizada na arborização urbana devido às suas belas flores e sua capacidade de sombrear áreas. Além disso, a madeira dessa árvore é resistente e flexível e, por isso, ela é usada na construção civil, em vigas, forros e esquadrias, além de ser uma madeira muito nobre na produção de móveis”
Uma seleção de fotos é apresentada no filminho a seguir, onde fotos selecionadas nossas, foram reunidas começando pelo ipê amarelo que floresce em agosto e finalizando com fotos dos ipês branco e rosa que floriram em setembro.
Existe um outro tipo de “ipê amarelo” usado em jardins, com flor diferente e menor porte (arbusto) chamado de ipê mirim cuja classificação, a partir de nossas fotos, também é mostrada na figura seguinte.
Dois tópicos adicionais estão diretamente ligados a este:
- O Clima em Brasília
- Curiosidade meteorológica: a média compensada e o termômetro de mínima e máxima
O Clima em Brasília
A estações do ano ainda são ensinadas no Brasil com a nostalgia europeia onde o verão é a estação do calor, símbolo sol ardente, o outono, simbolizado com folhas caídas, o inverno é a estação fria (símbolo floco de neve) e a primavera estação das flores (símbolo flores).
Eu achei que isto era um defeito de meus livros didáticos de minha distante infância, embora onde eu passei meus anos de escola primária, Irati no Paraná, as imagens ainda faziam um certo sentido porque se não tínhamos neve pelo menos tínhamos geadas que, nos dias mais frios, cobriam os campos de uma fina camada de gelo.
Para o resto do Brasil, estes símbolos não fazem sentido e a criança que queira checar, na natureza, o que vê nos livros vai ter muitas surpresas, a começar pela queda das folhas que se dá, na maioria do território nacional, em datas variadas para cada espécie. No entanto, ela conclui que o melhor para o sucesso nas notas no boletim é repetir a “realidade virtual” que lhe é imposta. Se colocar, por exemplo que as folhas caem no inverno, ou até na primavera, quase seguramente receberá uma nota baixa.
Fiz uma consulta colocando “quatro estações” no Google e encontrei os mesmos símbolos usados no meu tempo, inclusive em materiais didáticos.
A ideia deste “saite” é justamente encontrar referências na natureza, principalmente nas flores, de como se desenvolvem as estações nas diversas regiões. Encontrei, nessa busca, alguém que teve uma ideia parecida e fez um livro sobre pássaros na Mata Atlântica em cada estação. Tomo a liberdade de mostrar sua capa. Preferi colocar este bom exemplo ao invés de muitas outras ilustrações, inclusive e capas de livros didáticos que mostravam, nas figuras, o estereotipo herdado dos europeus/americanos (do norte).
Nossa ideia aqui é propor um trabalho coletivo em que possamos chegar ao calendário floral de várias regiões brasileiras.
Este trabalho começa por identificar como o clima se desenvolve realmente ao longo do ano.
O traço marcante do clima de Brasília é o seu período seco e procuramos trazer a compilação do comportamento médio das temperaturas ao longo do ano e da umidade relativa do ar.
Valores médios das temperaturas médias, ao longo dos dias do ano
Brasília, em termos de temperatura média, é um clima bastante ameno com uma temperatura média de 21,4 ºC que predomina de novembro a abril. Temos dois meses mais frios, junho e julho com média 19 ºC, e dois meses mais quentes, setembro e outubro, com média de 22,3ºC. Com intervalo de dois meses, entre julho e setembro, passa-se praticamente do mês mais frio para o mais quente (na verdade. o mês de outubro é 0,2 graus mais quente)
As variações diárias são relativamente altas com uma diferença entre a máxima e mínima (valores médios para o mês) de cerca de 10 ºC. Essa diferença atinge o máximo justamente no mês da agosto que é cerca de 12 ºC. Fundamentalmente estas grandes variações estão ligadas a altitude e a seca que tornam a inércia da massa atmosférica menor. O extremo disto ocorre nas regiões desérticas onde a variação diária supera 40 graus centígrados.
O outro parâmetro determinante em Brasília é a umidade relativa do ar cujos valores são mostrados no gráfico a seguir, juntamente com os dias com chuva superior a 1 mm em cada mês. Assinala-se a umidade relativa que é de 47% em agosto. Em termos médios, essa umidade ainda é confortável. No entanto, em dias isolados, a cidade chega a registrar, como ocorreu em 2020, mínimo de umidade relativa do ar de 10% (em 04/10/20), o que é extremamente desagradável.
Umidade relativa (% da saturação do vapor) e dias com chuva
O valor médio do mês, tanto para a temperatura máxima como para a mínima, é a média dos valores diários de máximos ou mínimos. O valor normal, representado nas figuras, é ainda uma média dos dados do INMET para um período de 20 anos. Este procedimento implica em “alisar as curvas” tanto de temperatura, como de umidade relativa do ar. Para temperatura, por exemplo, encontramos, nos dados horários de 2020, do Instituto Nacional de Meteorologia, valores máximos de 36,5 ºC (em 08/10/20) e mínimo de 8,5 ºC (em 27/05/20).
Curiosidade meteorológica: a média compensada e o termômetro de mínima e máxima
É frequente nas descrições meteorológicas a expressão temperatura média compensada que parece derivar dos tempos heroicos do meteorologista isolado em seu local de observação que anotava em seu caderno a temperatura em intervalos fixos. Por exemplo, 9h, 15h e 21h. O próximo horário de observação seria às 3h da manhã e isso não era nada cômodo para o homem (ou mulher) do tempo. Essa dificuldade era resolvida compensando a falta essa medida da madrugada com a média entre a máxima e a mínima, automaticamente registrada em um termômetro especial, ou seja, para T representando a temperatura:
T média compensada = T9h + T15h + T21h + (Tmax + Tmin)/2
O termômetro da máxima e mínima é um instrumento ardiloso que registrava temperatura máxima e mínima para o(a) solitário(a) meteorologista. Ele contêm uma escala dupla e um pequeno indicador no interior do tubo de cada lado que que é empurrado pelo mercúrio. Ele é “zerado” em cada escala com um pequeno imã.
Pergunta para pensar: Será que isso precisa ser feito à meia noite?
Outros instrumentos com marcadores de ponteiro têm dois ponteiros ajustáveis, um de cada lado, que são empurrados para esquerda e direita pelo ponteiro principal. Ficam assim registrados o mínimo e o máximo entre as horas de ajuste. a umidade relativa máxima e mínima pode ser apurada dessa maneira.
Enfim, como quase tudo hoje, essas tarefas podem ser automatizadas com leituras digitais transferíveis para o computador. Elimina-se o erro humano que é trocado pelas falhas que acontecem, mais do que desejamos, em equipamentos eletrônicos. É bom não esquecer também que todo instrumento digital de medida requer sensores que executam a medida que é transformada em sinais eletrônicos. Todo instrumento eletrônico precisa ser periodicamente calibrado e os velhos instrumentos são utilizados para isto.
Abaixo indicações dos instrumentos encontrados à venda na internet que têm a virtude de popularizar, por um preço relativamente acessível, nossa capacidade de acompanhar medidas das variáveis climáticas. Por exemplo, em cidades secas como Brasília, conhecer os valores da umidade relativa é muito útil para que saibamos quando necessitamos recorrer aos umidificadores de ambiente.
Termômetros de temperaturas, atual, máxima e mínima disponíveis para venda na internet.
O mais conhecido desses termômetros, tendo sido objeto de questão no ENEN 2017, é o da esquerda que é um modelo do início do século passado, anunciado na seção de antiguidades. Ele é chamado de termômetro de capela ou meteorológico que atualmente tem versões em plástico . Trata-se de um instrumento interessante composto por um termômetro convencional com bulbo de álcool (no alto à esquerda) que seria um termômetro convencional de “cabeça para baixo” seguido de um trecho no tubo preenchido com mercúrio e depois de álcool tendo ao alto um bulbo parcialmente preenchido, que pode ser comprimido.
Pequenas agulhas de aço são movimentadas por meio de um imã até a temperatura atual.
O mercúrio é muito mais denso que o aço e isso faz com que a agulha (mais parecida com um alfinete) flutue na interface entre o álcool e o mercúrio dos lados esquerdo (mínima) e direito (máxima). O atrito entre as agulhas e a parede do tubo as mantêm nas posições de mínimo ou máximo.
Ao contrário dos termômetros normais, onde se faz a comparação entre as dilatações de dois materiais, normalmente vidro X mercúrio e vidro X álcool sendo que o bulbo favorece essa comparação ao ampliar a escala. O termómetro Min Max lida com três materiais, sendo que o mercúrio não tem o bulbo e o álcool e o vidro sim.
Pergunta: Porque o intervalo entre 100 e 110, em graus Farenheit, é maior na escala que e o entre zero e 10 ºF como podemos ver no corte seguinte?
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Vídeo Externo
A paineira barriguda, exemplo de árvore que acumula reserva de água
Vídeo de Luiz Carlos Marques Cardoso sobre a árvore Paineira Barriguda